quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Recomendações sobre a reposição de Fluidos

RECOMENDAÇÕES SOBRE A REPOSIÇÃO DE FLUIDOS
A desidratação pode comprometer o desempenho durante o exercício e aumentar os riscos associados ao esforço e ao calor. Além disso, segundo a National Athletic Trainer's Association(27), os indivíduos não ingerem voluntariamente água suficiente para prevenir a desidratação durante uma atividade física. Por outro lado, o excesso de ingestão de líquidos deve ser evitado, uma vez que também pode comprometer o desempenho e a saúde do indivíduo. Têm sido propostas em consensos internacionais recomendações sobre a hidratação com o intuito de minimizar os efeitos negativos das perdas hídricas sobre as respostas fisiológicas ao exercício.
Algumas das recomendações do American College of Sports Medicine(18) sobre a quantidade e a composição dos líquidos que devem ser ingeridos antes, durante e após um exercício estão reproduzidas a seguir:
1. Recomenda-se que os indivíduos ingiram em torno de 500mL de líquidos nas duas horas que antecedem um exercício, para promover uma hidratação adequada e haver tempo suficiente para excreção da água ingerida em excesso.
2. Durante o exercício, os atletas devem começar a beber logo e em intervalos regulares, com o objetivo de consumir líquidos em uma taxa suficiente para repor toda a água perdida através do suor, ou consumir a maior quantidade tolerada.
3. Recomenda-se que os líquidos sejam ingeridos em uma temperatura menor do que a ambiente (entre 15 e 22ºC) e com sabor atraente.
4. Recomenda-se a adição de quantidades adequadas de carboidratos e eletrólitos para eventos com duração maior do que uma hora, já que não prejudica a distribuição de água pelo organismo e melhora o desempenho. Durante exercícios com duração inferior a uma hora, há pouca evidência de que haja diferenças fisiológicas em termos de desempenho caso sejam consumidos líquidos com carboidratos e eletrólitos ou água pura.
5. Recomenda-se a adição de sódio (0,5 a 0,7g.L1 de água) na solução de reidratação se o exercício durar mais do que uma hora. Isto pode ser vantajoso por melhorar o gosto, promovendo a retenção de líquidos e possivelmente revertendo a hiponatremia em alguns indivíduos que tenham ingerido quantidades excessivas de líquidos.
A National Athletic Trainer's Association(27) também faz recomendações acerca da reposição de líquidos para atletas, as quais se assemelham às do ACSM(18), principalmente no que diz respeito ao volume a ser ingerido. Segundo a NATA(27), para assegurar o estado de hidratação, os atletas devem ingerir aproximadamente 500 a 600mL de água ou outra bebida esportiva duas a três horas antes do exercício e 200 a 300mL 10 a 20 minutos antes do exercício. A reposição de líquidos deve aproximar as perdas pelo suor e pela urina.

DISCUSSÃO: A SEDE É SUFICIENTE?
Após vários anos de recomendação aos atletas e praticantes de atividades físicas que ingerissem quantidades fixas ou o máximo de líquidos (água pura e bebidas esportivas) a cada 15 ou 20 minutos de exercício para evitar a desidratação, tem sido verificado que esta estratégia de reidratação pode ser excessiva ou mesmo prejudicial à saúde das pessoas.
Dados recentes têm demonstrado evidências sobre o crescente número de pessoas que são acometidas pela hiponatremia (baixa concentração de sódio plasmático: valores abaixo de 135mEq) durante exercícios físicos prolongados, devido, sobretudo, à hiperidratação(28). Almond et al.(29) observaram que durante a maratona de Boston de 2002, 13% dos atletas apresentaram hiponatremia e três atletas tiveram concentrações tão baixas de sódio plasmático que corriam risco de morte. Além disso, naquele estudo foi observado que muitos atletas beberam quantidades excedentes de líquidos a ponto de aumentarem o seu peso corporal ao final do percurso da maratona.
Sabe-se que durante o exercício a função renal pode tornar-se alterada. Alguns estudos têm relatado diminuições de 20 a 60% na função renal, com conseqüente aumento na concentração da urina, em situações de exercício competitivas e de laboratório(30). Neste sentido, uma das possíveis explicações seria que uma ingestão excessiva de líquidos, somada à função renal alterada durante o exercício, poderia ocasionar hemodiluição e deslocamento do excesso de água para o espaço intracelular, que pode ser fatal.
Em estudo realizado em nosso laboratório, foi verificado que durante exercício intenso e prolongado (2h), com ingestão de água de acordo com ACSM(18), em ambiente temperado e quente os indivíduos apresentaram fluxo urinário aumentado (principalmente no ambiente temperado) e diluição da urina em ambos os ambientes térmicos, sugerindo que pode ter ocorrido uma ingestão excessiva de líquidos(31).
Alguns estudos têm sugerido que, nos seres humanos durante o exercício – principalmente em ambientes térmicos estressantes – o mecanismo da sede não seria suficiente para repor as perdas hídricas pela sudorese, acarretando desidratação involuntária(32-33). Esta desidratação seria desencadeada por mecanismo fisiológico complexo que envolve fatores comportamentais (costume da pessoa em se hidratar), capacidade gástrica de absorção de fluidos e, além disso, estímulos hormonais e do sistema nervoso central(33-34). Desta forma, considerou-se a desidratação como o principal fator que afetaria a termorregulação e a capacidade de os indivíduos realizarem exercício físico em ambientes quentes.
A partir das observações de que a sede não seria eficiente em humanos e de que a desidratação seria o principal risco para os participantes de atividades físicas no calor, a necessidade de reposição ao máximo das perdas hídricas tornou-se estabelecida e difundida nos consensos internacionais. Desta forma, a regra seria: quanto mais a ingestão de líquidos (água e bebidas esportivas) se aproximar da sudorese, menores serão os efeitos da desidratação sobre as funções fisiológicas e sobre o desempenho esportivo(18,32).
Em contrapartida, considerando as discussões atuais sobre os possíveis riscos relacionados ao excesso de hidratação durante o exercício, alguns autores têm defendido a efetividade da ingestão de líquidos de acordo com a sede, isto é, ingestão de líquidos voluntária, como estratégia segura de reposição de fluidos.
Alguns estudos, principalmente a partir do ano 2000, têm ressaltado que a reposição hídrica guiada pela sede pode ser suficiente para a manutenção das respostas termorregulatórias e da capacidade de realizar exercício, mesmo com a pequena desidratação involuntária que freqüentemente ocorre nesta situação(35). Daries et al.(36) observaram que não houve diferença no desempenho de corredores quando os mesmos se hidratavam seguindo as recomendações do ACSM(18) e quando a ingestão era feita de acordo com a sede. Cheuvront e Haymes(17) demonstraram que a temperatura corporal foi mantida ao longo de exercícios realizados por corredoras que ingeriram água de acordo com a sede (o que repôs 60 a 70% das perdas hídricas pela sudorese, aproximadamente 2% de percentual de desidratação) em condições ambientais compensáveis.
Alguns estudos realizados em nosso laboratório também corroboram a hipótese de a sede ser eficiente para a reposição de líquidos durante o exercício. Carmo et al.(37) verificaram que a ingestão de água ad libitum foi suficiente para manter o estado eu-hidratado de indivíduos que se exercitaram por uma hora em ambiente quente e seco, ao passo que, se eles tivessem ingerido o volume recomendado pelo ACSM(18), teriam consumido mais água do que o necessário. Em um estudo de campo (durante sessões de treinamento de voleibol)(38), foi observado que a ingestão de água ad libitum repôs aproximadamente 60% das perdas hídricas, o que representou menos de 1% de variação de peso corporal. Isto indica que os jogadores terminaram as sessões de treinamento eu-hidratados.
As discussões sobre o volume de líquido a ser ingerido durante o exercício para se manter um estado de hidratação adequado ainda continuam. Além da quantidade, a composição da bebida também é tema de muita discussão. É importante ressaltar que as recomendações foram criadas a partir de estudos com indivíduos jovens, saudáveis e, muitas vezes, bem condicionados, o que pode dificultar a sua aplicação de forma mais ampla.
Parece-nos coerente que a ingestão de acordo com a sede seja suficiente e mais adequada, pois acreditamos que o sistema nervoso central seja capaz de indicar corretamente o volume de fluido a ser ingerido, a partir de informações por ele integradas sobre todas as demandas do organismo. Além disso, é importante considerar o desenvolvimento do mecanismo da sede como parte do processo evolutivo do ser humano, o qual desenvolveu ao longo do tempo mecanismos diferenciados e perfeitamente integrados para regular o volume e a osmolalidade plasmática, assim como a sua temperatura corporal.

REFERÊNCIAS
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Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.
* Laboratório de Fisiologia do Exercício, Escola de Educação Física e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil.